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O frágil toque dos mutilados - Alex Sens


 *Resenha elaborada pela colabora Rosir Ene Paz
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 O frágil toque dos mutilados, romance de estreia do jovem escritor Alex Sens, é um misto de laços de famílias, dor e angústia.




O título por si, atrai, chama a atenção e insinua poesia. A cada página lida uma mistura de amor e ódio por alguns dos personagens tomava de conta, tentar entender o que cada um sentia, me envolvia e no final pude perceber que assim como Magnólia, Herbert, Elisa, Orlando, Tomas, Muriel e muitos outros personagens, somos envoltos a uma teia que liga nossas histórias, vidas, dores e que temos medo de encarar a realidade, de encarar nossas fraquezas e angústias. Temos nossos demônios internos e a verdade, que às vezes liberta, também aprisiona. Sintam se convidados a ler O toque frágil dos mutilados e assim como eu, encontrar em cada personagem um pedacinho de mim mesma. 
A história conta a trajetória de vida que envolve esses personagens citados logo acima, uma família envolta por sentimentos incompreendidos, abraços guardados, amores abafados, verdades não ditas. Um alcoólatra, uma com transtorno de personalidade, um alheio ao que acontece à sua volta (ou que assim como eu, leva a vida de forma: “deixa a vida me levar, talvez assim não enlouqueço”), uma que busca através da força do universo e de mantras encontrar respostas para tudo que acontece, duas crianças perdidas em seu próprio mundo e alguns amigos que vivenciam da vida desses.
Magnólia e Herbert casados ha pouco tempo resolvem aproveitar as férias e se reunir a Orlando e seus filhos, Tomaz e Muriel, dois adolescentes que moram com o pai em uma casa de praia e que carregam a dor de ter perdido a mãe a pouco mais de um ano. A visita da irmã e do cunhado é aguardada por Orlando, já que faz alguns anos que não se veem. Logo, ter a irmã por perto traria uma sensação de alegria e ao mesmo tempo tensão para Orlando, pois sabe que ela é uma mulher difícil de ser agradada. Orlando vive em um conflito interno constante, aceitar a morte da esposa é difícil, buscou no álcool um refúgio para sua dor e apenas conseguiu se afastar dos amigos e da sua profissão. Magnólia é uma mulher intensa, direta, uma sommelier apaixonada pelo aroma e gosto dos mais requintados vinhos, que trava uma batalha interna por conta do transtorno de personalidade levando a todos a sua volta a andarem sobre minas, pois a qualquer momento pode explodir. Herbert é um homem passivo, distante, que vive no seu mundo de pesquisas sobre Virginia Woolf (escritora inglesa, que se suicidou decorrente de uma depressão). Aliás, há fortes influências da escritora na narrativa arquitetada por Alex Sens, que amarrando muito bem as histórias, conduz-a rumo à coerência.
Herbert não conhece a família da esposa, mas sabe dos problemas vividos pelo cunhado e da angustia que Magnólia vivencia desde que decidiu passar um tempo com o irmão e os sobrinhos, Magnólia não esteve presente no velório da cunhada Sara, mas passou inúmeras noites em claro ouvindo o irmão, embriagado, chorar sua dor.  A recepção foi feita de maneira carinhosa, a convivência com a família, o retorno à sua antiga cidade e o reencontro com pessoas que fazem parte do seu passado, dão a Magnólia a vontade de se libertar dos medicamentos controlados que toma diariamente e passe  a se permitir a beber os vinhos que fora presenteada pelo irmão. A chegada de mais uma visita na casa, aumenta a tensão entre todos, Elisa, a irmã mais nova de Magnólia, e a qual mantém certo distanciamento e certos rancores, o convívio entre as duas não é nada fácil, apesar do amor fraterno que sentem, há um muro invisível que as separa.
A convivência entre os irmãos faz com que desencadeei sentimentos e recordações guardadas. Orlando se encontra alegre e ao mesmo tempo tenso, se isolando na garagem onde pinta seus quadros para uma exposição organizada por Laura a quem tem um flerte e que antipatiza com Magnólia. Laura é uma mulher solteira que faz eventos culturais, o mais recente é a exposição de quadros de pintores locais que será realizado no restaurante de Lorenzo, irmão da mesma e de Tadeu, tio de Elieser, o típico solteirão convicto, um homem encantador que irá despertar uma paixão intensa e atormentar mais ainda os pensamentos de Magnólia.
Os ânimos na casa de Orlando não andam tão animados, as constantes crises de Magnólia afetam toda a família, até mesmo o passivo Herbert já demonstra cansaço e vontade de ir embora, acreditando que não tenha sido uma boa ideia a visita e o reencontro com passado. Durante a exposição dos quadros de Orlando, Magnólia e Lorenzo se beijam e ambos deixam claro o interesse que sentem um pelo outro, alheio a esse encontro Herbert se diverte na exposição, Orlando tem uma discussão com Laura, Tomas e Elieser fortalecem a amizade, Muriel chora pela lembrança da mãe falecida, o que era para ser uma noite de comemorações se tornou uma tormenta para Orlando. Após ver em um dos quadros de outro pintor, imagens que o abalaram profundamente.
Situações tensas iniciam a partir de então, a sobrecarga emocional aumenta rumo a uma espécie de catarse, onde a epifania de personagens conduz a narrativa a uma similaridade com a tragédia. Orlando procura manter um clima ameno para que a irmã mais nova não se sobrecarregue. O grupo de apoio AA faz uma reunião na casa de Orlando, para comemorarem o suposto afastamento da bebida por parte de Orlando. Contar o que vem adiante seria spoiler.
É um livro interessante, a leitura não é cansativa e você pode odiar a princípio cada personagem, mas depois entende que o eles buscam é o mesmo que todos nós buscamos: paz, felicidade e o aconchego da família e dos amigos. Alex Sens é um jovem escritor de sucesso, que com certeza irá atrair diversos leitores que assim como eu, nem um pouco apta a fazer resenhas se sentirão empolgados a falar dos livros desse escritor, seja no gênero drama como este de O frágil toque dos mutilados ou a qualquer outro que venham a ler.
A excelente edição da Autêntica com a capa refletindo a atmosfera da narrativa mostra que o livro de Alex Sens nasceu com potência de um clássico.

Sobre o autor: Alex Sens  é escritor, nascido no ano de 1988 em Florianópolis, SC, e radicado em Minas Gerais. Publicou Esdrúxulas, pequeno livro de contos de humor negro e realismo mágico, seguido pelo livro artesanal Trincada. Teve contos e poemas publicados em sete coletâneas e em revistas literárias virtuais, assim como resenhas de livros, entrevistas e críticas em sites de jornalismo cultural. O frágil toque dos mutilados, seu romance de estreia, venceu o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura 2012 na categoria Jovem Escritor.

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