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Contos Completos - Alberto Mussa


Primeiro contato com a obra do escritor, o livro Os Contos Completos (Editora Record, Alberto Mussa, 2016, 400 páginas, R$ 42,90) nos convida e nos segura firmemente na companhia de um artista das letras que sabe cativar o leitor. 

Comecemos desbravando o título: Não, não se trata de todos os contos do autor Alberto Mussa. Trata-se de uma coletânea de contos que já haviam sido publicados pelo autor. Para esta publicação, o autor reescreveu algumas, editou e aperfeiçoou alguns contos. Aliás, o próprio autor avisa o leitor disso por meio de uma nota prévia. O livro ainda traz histórias que são desmembráveis dos seus três romances: O senhor do lado esquerdo, O movimento pendular e O enigma de Qaf.

O escritor venceu muitos prêmios literários, tais como o Ficção da ABL, o Machado de Assis, o Casa de las Américas e o APCA. Sua obra vem sendo estudada na Europa, Estados Unidos e está publicada em 17 países.

O livro divide-se em quatro partes, a saber: Histórias cariocas, narrativas orientais, relatos brasileiros e variações machadianas.

A primeira parte traz histórias policiais, outras de cunho sobrenaturais e até eróticas. Alguns protagonistas são figuras femininas tem destaque, como em "A mulher vedada" e "Minha mãe Oxorongá". O erotismo se faz presente em "O jogo dos erros" e aí o leitor poderá encontrar um prazer particular com a história que se torna mais humana com a nossa empatia.
A segunda parte do livro chama-se em "Narrativas Orientais" e aqui se encontra boa parte das reescrituras de Mussa. O conto "O primeiro árabe" é um exemplo. São contos riquíssimos com uma variedade de temas que enriquece o leitor brasileiro o sentido de conhecer, por meio das narrativas, a cultura oriental. Aqui notamos a grande influência de Mussa em sua obra. O auto, que aprendeu sozinho o árabe clássico e possui o sobrenome libanês por parte do pai, documentou em sua obra, tanto nos contos, quantos nos romances, a sua mistura de cultura.

Em "Relatos brasileiros", Mussa faz o contrário: mostra ao mundo relatos curiosos e histórias onde nós nos identificamos com os personagens que fazem parte da nossa História. Em "A cabeça de Zumbi" e "A teoria aimoré", por exemplo, Mussa conta histórias que nos torna mais brasileiros. Percebe-se então que negros, escravos, minorias e índios são os melhores protagonistas das narrativas criadas por Mussa. Assim, o africano e o árabe convivem juntos na história brasileira e nas histórias do autor carioca.
E não só o passado indígena do país, diga-se, mas também os passados africano e árabe –influências que compõem uma obra que narra outra história do Brasil 
 
A última parte, "Variações machadianas", Mussa flerta com a obra do imortal Machado de Assis no sentido de usar a sua criatividade e mesclar com contos clássicos do autor. "A leitura secreta" é o exemplo dessa linha de escrita escolhida pelo autor que, com isso, atrai fãs de Machado de Assis e liga uma obra contemporânea ao clássico.


A edição conta com um curioso apêndice. E aqui o leitor se identifica tanto com o autor que dá vontade de correr e abraçá-lo.
No apêndice "Decompondo uma biblioteca", Mussa, por exemplo, é uma história pessoal do autor a respeito da sua formação literária e que foi publicada no jornal O Globo em 2009 e depois repostada pelo Rascunho em 2012.
Outro apêndice que todo leitor certamente irá gostar é o "Decálogo do leitor". São 10 dicas, orientações, uma espécie de mandamentos para todo bom leitor seguir. "Formar o próprio cânone" e "perder menos tempo diante do computador" muito me agradaram e se já se tornaram, de antemão, meus preceitos como leitor a partir de agora.

 A parte física do livro agrada o leitor logo na capa. A imagem da caneta e o pingo de tinta numa folha com linhas soa metalinguístico. Um livro indicado aos leitores que amam narrativas curtas de contexto e naturalmente brasileiras.


Sobre o autor: 
Alberto Mussa nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. Depois de estudar matemática, formou-se em Letras pela UFRJ, tornando-se mestre em linguística com a dissertação O papel das línguas africanas na história do português do Brasil. Sua ficção abarca o conto e o romance, com destaque para o “Compêndio Mítico do Rio de Janeiro”, série de cinco novelas policiais, uma para cada século da história carioca. Recriou a mitologia dos antigos tupinambás; traduziu a poesia árabe pré-islâmica; e escreveu, com Luiz Antônio Simas, uma história do samba de enredo. Premiada no Brasil e no exterior, sua obra está hoje publicada em 17 países e 15 idiomas.

Jornal Rascunho - Texto "Decompondo uma biblioteca". 

Fonte:
Grupo Editorial Record / Skoob

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