O Brasil tem traços históricos bem peculiares e curiosos. A Revolta da Cachaça, acontecimento real que se deu no final de 1660 e início de 1661, inspirou Antonio Callado a criar, depois de 300 anos, uma peça homônima onde o conflito se dá justamente neste contexto histórico brasileiro.
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Contextualizando o leitor:
Resumidamente, o fato histórico ocorreu no Rio de Janeiro motivado pela subida dos impostos de aguardente. Os revoltosos mais conhecidos do movimento são Jerônimo Barbalho e João de Angola. Os fazendeiros continuavam insatisfeitos. Acharam que a Coroa queria obter uma grande margem de lucro com os tributos e organizaram um motim na região da Baía de Guanabara, onde hoje situam-se as cidades de Niterói e São Gonçalo.
Os revoltosos conseguiram posse de armamentos e invadiram as residências das autoridades locais. Eles exigiam o fim das taxas e a devolução dos impostos cobrados. Cerca de 110 senhores de engenho organizavam reuniões na fazenda de Jerônimo Barbalho Menezes de Bezerra e, no dia 8 de novembro de 1660, sob sua liderança, incitaram a população a se reunir na Câmara da Baía de Guanabara. Neste momento, o governador Salvador de Sá estava ausente devido a uma visita a São Paulo; em seu lugar, estava seu tio Tomé de Sousa Alvarenga.
Mesmo assim, não hesitaram em prender Alvarenga e deportá-lo para Portugal. Em seu lugar, exigiram que Agostinho Barbalho fosse governador. Sem acatar o pedido dos revoltosos, refugiou-se no Mosteiro de São Francisco, de onde foi arrancado à força.
Como governador, Barbalho mostrou-se favorável à família Sá e conseguiu o reconhecimento efetivo de seu cargo por Salvador de Sá. Indignados com as decisões dele, os revoltosos conduziram seu irmão Jerônimo Barbalho ao cargo de governador. Acatando a vontade dos revoltosos, Jerônimo exerceu um mandato autoritário, perseguindo os jesuítas que apoiavam a família Sá.
Em 6 de abril de 1661, o ex-governador Salvador de Sá articula uma investida com o apoio de tropas baianas, enfrentando os revoltosos sem resistência. Salvador de Sá ordena a prisão de todos eles e o enforcamento de Jerônimo Barbalho, expondo sua cabeça decapitada em praça pública.
A Coroa portuguesa repudia o ato violento de Sá e manda soltar todos os presos revoltosos. Em 1661, finalmente, a regente Luísa Gusmão considera legal a produção da cachaça no Brasil e legitima o episódio conhecido como Revolta da Cachaça.
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Com essa nova edição, Antonio Callado (teatrólogo brasileiro) volta às vitrines das livrarias com nova roupagem em suas obras com todo o esmero da Editora Jose Olympio, que já vinha publicando a obra do autor desde 2015 já com um novo projeto gráfico. O último lançamento do autor foi A Revolta da Cachaça (Antonio Callado, Editora José Olympio, 2016, 123 páginas, R$ 29,90).
A peça homônima foi escrita em 1958, mas somente em 1983 ela conseguiu ser lançada. É considerada uma peça de viés político, pois junto com a peça Pedro Mico (1957) inaugurou o "teatro negro" de Antonio Callado. Mas de forma paradoxal, os personagens principais da peça Pedro Mico, que eram negros, foi encenada por brancos. Com isso, a peça "A Revolta da Cachaça" abre o debate para questões políticas, sociais e de gênero.
A peça tem apenas 6 personagens (Vito, Ambrósio, Dadinha/Eduarda, Policiais 1,2 e 3) e um enredo muito simples, a peça prende o leitor desde a chegada de um presente inesperado (um tonel de cachaça) na casa do casal Vito e Dadinha até o desfecho.
O início, como já foi dito, dá-se com a chegada de um presente cujo remetente se desconhece. Vito é um dramaturgo e sua esposa, atriz, ambos brancos.
Assim como ficam surpresos com a chegada desse presente, mais surpresos ficam com a visita inesperada do antigo amigo Ambrósio, negro, ator e amigo de juventude e de teatro, que veio cobrar Vito o papel principal numa peça onde ele seja o protagonista, peça esta que foi prometida por Vito a Ambrósio, que logo se identifica como o autor do envio do tonel de cachaça, para que assim a bebida possa acompanhá-los.
Dessa forma, Ambrósio teria aí sua grande oportunidade de mostrar o seu talento enquanto ator negro, pois nas palavras dele, está cansado de "fazer papel de criado, de ladrão, de bicheiro ou chofer" (sic). Já que a peça lhe foi prometida há 12 anos por Vito.
Com isso, dá-se início uma longa discussão sobre o passado dos personagens, a peça que nunca foi feita por Vito onde Ambrósio teria um papel principal e o desinteresse pelos negros no teatro, já que Vito nunca concluiu a dita peça.
Regados a álcool, os três personagens acabam por ressuscitar fantasmas do passado e com essa discussão, onde ambos soltam literalmente o verbo contra o outro, o leitor (ou espectador da peça) tem uma diversão onde o fim já é quase algo óbvio. Enquanto Dadinha insiste em relembrar o passado, Ambrósio não desiste das investidas para que Vito escreva a peça. Já este, se esquiva dos dois.
Além de abrigar no núcleo da peça um ator negro que desempenha um discurso político, a relação sexual entre os três é algo curioso, representando ao leitor/espectador ora uma amizade, ora algo mais erótico entre os três.
Terminando no momento certo, com um desfecho que já caminhava para a obviadade, o livro é uma leitura rápida para os amantes de teatro, assim como também uma indicação para estudantes e qualquer tipo de leitor.
A edição pocket da José Olympio tá com um design lindo, colorido e pórtátil. Conta ainda com um prefácio de João Cezar de Castro Rocha e um perfil do autor feito por Eric Nepomeuceno.
Sobre o autor:
Callado estreou na literatura em 1951, mas sua produção na década de 1950 consiste basicamente em peças teatrais, todas encenadas com enorme sucesso de crítica e público. Mas a mais bem sucedida foi Pedro Mico, dirigida por Paulo Francis, com o arquiteto Oscar Niemeyer em inusitada incursão pela cenografia, e Milton Moraes criando o papel-título. Foi transformada em filme estrelado por Pelé.
A produção de romances toma impulso nas décadas de 1960 e 1970, período em que surgem seus trabalhos mais importantes. Alinhado entre os intelectuais que se opunham ao regime militar, tendo por isso sido preso duas vezes, Calado revela em seus romances seu compromisso político, principalmente naquele que muitos consideram o romance mais engajado daquelas décadas, Quarup.
Callado escrevia à mão e mantinha uma rotina de trabalho, com horário rígido para todas as atividades, que incluíam duas caminhadas por dia. Mandou fazer uma mesinha portátil que o acompanhava pela casa toda, permitindo-lhe escrever em qualquer lugar. Não discutia, nem comentava seu trabalho com ninguém, até que estivesse finalizado.
Editora Record / Amazon / Livraria Cultura
Fonte: Guia do Estudante / Editora Record / skoob
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