Mas por que mesmo esta minha obsessão de ler os clássicos?
A partir da interrogação eu parti em busca de um livro que me explicasse a pergunta retórica. Foi aí que encontrei dois livros importantes: um do Ítalo Calvino e outro de Harold Bloom.
Começarei expondo a defesa de Ítalo Calvino, uma das maiores autoridades quando o assunto é crítica literária:
Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou relendo..." e nunca "Estou lendo..."
Abaixo transcrevo alguns excertos do livro "Por Que Ler os Clássicos" de Ítalo Calvino.
Quem leu tudo de Heródoto e de Tucídides levante a mão. E de Saint-Simon? E do cardeal de Retz? E também os grandes ciclos romanescos do Oitocentos são mais citados do que lidos.
Na França, se começa a ler Balzac na escola, e pelo nümero de edições em circulação, se diria que continuam a lê-lo mesmo depois. Mas na Itália, se fosse feita uma pesquisa, temo que Balzac apareceria nos últimos lugares. Os apaixonados por Dickens na Itália constituem uma restrita elite de pessoas que, quando se encontram, logo começam a falara de episódios e personagens como se fossem de amigos comuns. Descobriu que era totalmente diverso do que pensava: uma fabulosa genealogia mitológica e cosmogônica, que descreveu num belíssimo ensaio.
Isso confirma que ler pela primeira vez um grande livro na idade madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior ou menor) se comparado a uma a leitura da juventude. A juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes, níveis e significados a mais.
Por isso, deveria existir um tempo na vida adulta dedicado a revisitar as leituras mais importantes da juventude. Se os livros permaneceram os mesmos (mas também eles mudam, à luz de uma perspectiva histórica diferente), nós com certeza mudamos, e o encontro é um acontecimento totalmente novo.
Portanto, usar o verbo ler ou o verbo reler não tem muita importância. De fato, poderíamos dizer:
Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.
toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.
Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).
Isso vale tanto para os clásicos antigos quanto para os modernos. Se leio a Odisséia, leio o texto de Homero, mas não posso esquecer tudo aquilo que as aventuras de Ulisses passaram a significar durante os séculos e não posso deixar de perguntar-me se tais significados estavam implícitos no texto ou se são incrustações, deformações ou dilatações. Lendo Kafka, não posso deixar de comprovar ou de rechaçar a legitimidade do adjetivo kafkiano, que costumamos ouvir a cada quinze minutos, aplicado dentro e fora de contexto. Se leio Pais e Filhos de Turgueniev ou Os Possuídos de Dostoievski não posso deixar de pensar em como essas personagens continuaram a reencarnar-se até nossos dias.
Existe uma inversão de valores muito difundida segundo a qual a introdução, o instrumental crítico, a bibliografia são usados como cortina de fumaça para esconder aquilo que o texto tem a dizer e que só pode dizer se o deixarmos falar sem intermediários que pretendam saber mais do que ele. Podemos concluir que:
8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe. _____________________________________________________________
Nas próximas semanas trarei outra opinião sobre "Por que ler os clássicos" sustentada pelo maior crítico literário do Ocidente: Harold Bloom.
Até lá!
A partir da interrogação eu parti em busca de um livro que me explicasse a pergunta retórica. Foi aí que encontrei dois livros importantes: um do Ítalo Calvino e outro de Harold Bloom.
Começarei expondo a defesa de Ítalo Calvino, uma das maiores autoridades quando o assunto é crítica literária:
Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou relendo..." e nunca "Estou lendo..."
Abaixo transcrevo alguns excertos do livro "Por Que Ler os Clássicos" de Ítalo Calvino.
Quem leu tudo de Heródoto e de Tucídides levante a mão. E de Saint-Simon? E do cardeal de Retz? E também os grandes ciclos romanescos do Oitocentos são mais citados do que lidos.
Na França, se começa a ler Balzac na escola, e pelo nümero de edições em circulação, se diria que continuam a lê-lo mesmo depois. Mas na Itália, se fosse feita uma pesquisa, temo que Balzac apareceria nos últimos lugares. Os apaixonados por Dickens na Itália constituem uma restrita elite de pessoas que, quando se encontram, logo começam a falara de episódios e personagens como se fossem de amigos comuns. Descobriu que era totalmente diverso do que pensava: uma fabulosa genealogia mitológica e cosmogônica, que descreveu num belíssimo ensaio.
Isso confirma que ler pela primeira vez um grande livro na idade madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior ou menor) se comparado a uma a leitura da juventude. A juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes, níveis e significados a mais.
Por isso, deveria existir um tempo na vida adulta dedicado a revisitar as leituras mais importantes da juventude. Se os livros permaneceram os mesmos (mas também eles mudam, à luz de uma perspectiva histórica diferente), nós com certeza mudamos, e o encontro é um acontecimento totalmente novo.
Portanto, usar o verbo ler ou o verbo reler não tem muita importância. De fato, poderíamos dizer:
Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.
toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.
Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).
Isso vale tanto para os clásicos antigos quanto para os modernos. Se leio a Odisséia, leio o texto de Homero, mas não posso esquecer tudo aquilo que as aventuras de Ulisses passaram a significar durante os séculos e não posso deixar de perguntar-me se tais significados estavam implícitos no texto ou se são incrustações, deformações ou dilatações. Lendo Kafka, não posso deixar de comprovar ou de rechaçar a legitimidade do adjetivo kafkiano, que costumamos ouvir a cada quinze minutos, aplicado dentro e fora de contexto. Se leio Pais e Filhos de Turgueniev ou Os Possuídos de Dostoievski não posso deixar de pensar em como essas personagens continuaram a reencarnar-se até nossos dias.
Existe uma inversão de valores muito difundida segundo a qual a introdução, o instrumental crítico, a bibliografia são usados como cortina de fumaça para esconder aquilo que o texto tem a dizer e que só pode dizer se o deixarmos falar sem intermediários que pretendam saber mais do que ele. Podemos concluir que:
8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe. _____________________________________________________________
Nas próximas semanas trarei outra opinião sobre "Por que ler os clássicos" sustentada pelo maior crítico literário do Ocidente: Harold Bloom.
Até lá!
Por Que Ler os Clássicos
1994
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