Pular para o conteúdo principal

Poesia Nossa de Cada Dia - Pedra Só


Dando continuidade a um outro Projeto do Blog de comentar mensalmente uma obra poética, trago hoje comentários da poesia do autor José Inácio Vieira de Melo, alagoano radicado na Bahia. É poeta, jornalista e produtor cultural. Edita o blog Cavaleiro de Fogo.
Escolhi um poema do livro Pedra Só, sexto livro e sem dúvida o mais autobiográfico do autor para publicar e comentar aqui no Papos Literários.




CORDEIRO DE ABRIL


Eu sou filho de Abril,
um deus do calendário
que traz no semblante
trinta sóis a contemplar
meus quarenta rubis.

Nasci no seio de Abril,
por isso esta cor rubra,
esta atitude vermelha,
este desejo encarnado.

Circulo nos veios de Abril,
faço parte da claridade,a
da brisa que atravessa
o sertão das palavras.

Eu sou filho de Abril
e apascento as roseiras
no verdor das horas.

Sou o cordeiro e o signo
tangendo a si próprio
como quem tange
para bem longe
o pensamento.

O cordeiro de Abril,
que vivencia pecados
e inventa mundos
por onde passear
de tardezinha.


________________________________________________.
OBRA COMENTADA: (por Thiago Felício)

No poema acima o poeta ora se faz pequeno frente aos elementos naturais, ora se faz ardente como o fogo, como um Deus. O eu lírico faz referência a personagens bíblicos e mescla com propriedade memórias particulares. Ele se faz o cordeiro de abril, mês onde no Nordeste é mês de chuva, mês em que pastores necessitam apascentar suas ovelhas. E essa é a metáfora do título.
O que se pode perceber nitidamente na obra de José Inácio Vieira de Melo é que ele faz uma busca telúrica ao seu passado no sertão da Bahia. Tanto é que o nome dado ao seu  sexto livro é o mesmo nome de uma Fazenda naquele estado. O livro, dividido em 27 partes minúsculas, mas com poemas épicos nordestinos, aproxima-se da vertente cristã, bem como da linguagem religiosa e própria do nordestino.
Caracteriza também sua obra a percepção daquilo que é do nordestino: a terra, os elementos da natureza, do meio ambiente. É um poeta introspectivo de maneira sutil traça nos versos a atemporalidade.
Destaco alguns poemas que se encontram no livro Pedra Só: "Outono", onde com fluidez e lirismo o poeta talha a paisagem da estação. "Escrituras", que possui um tom telúrico preenchido de versos brancos, "Tempo", um poema muito reflexivo, "Jokerman", poema dedicado a Bob Dylan, "Arqueiro", onde a metáfora transcende elevando o livro.
Destaco também o Canto XII do Poema que dá nome ao livro:

PEDRA SÓ



XII


Sertão, cartilha e dicionárioque recupera o fôlego do ser
e laça as águas do momento
que escorregavam da memória.
Sertão, coisa de espírito mesmo:
o nome incrustado no âmago.

No Sertão, o princípio do enigma,
o galope para dentro do redemoinho,
e na garupa alforjes de couro
bordados com a chama do amor.

O Sertão encourando os primeiros saberes...

________________________________________
Note que é usual dele manusear a poesia como lembrança ou retratar quadros do pedaço da região nordestina. Mas não é só isso, em alguns poemas do livro, o escritor se aproxima da escola surrealista, criando um ambiente místico cheio de fantasias.
Tempo, ambientação nordestina, introspecção lírica, memórias. Talvez sejam estas as peculiaridades deste livro que caiu em minhas mãos como uma gota em tempo de seca.
Mas há que se fazer uma observação. Mais que uma poesia nordestina, é uma poesia íbero-americana, o que expande a visão de mundo. José Inácio Vieira Melo* tem poemas traduzidos para os seguintes idiomas: espanhol, francês, italiano, inglês e finlandês.
Estes e outros inúmeros poemas estão no livro Ped
ra Só (Editora Escrituras, 144 págs., R$ 25,00).

*Contato com o escritor: jivmpoeta@gmail.com
_______________________________________.
No próximo post do Projeto "Poesia Nossa de cada Dia" trarei comentários sobre o famoso e clássico Rubáiyát, de omar kháyyám.
Abraço

Comentários

  1. Gosto de poesias, mas confesso que tenho dificuldade em interpretá-las. Você faz isso muito bem, minhas sinceras congratulações!

    Adorei seu blog!

    Vim aqui para convidá-lo(a) a conhecer o meu livro que acaba de lançar. Peço mil desculpas pelo “spam”, mas é muito difícil divulgar livros, sobretudo aqui no Brasil. Nós, autores nacionais, ainda somos muito desvalorizados, mas continuamos na luta para que esse fato seja revertido!
    Sendo assim, gostaria que conhecesse a minha obra chamada “Meu Conselheiro de Luz”. Trata-se de um romance voltado para a literatura juvenil.
    Seria de grande ajuda que você adicionasse a obra em seu skoob:
    http://www.skoob.com.br/livro/257467
    E no facebook:
    https://www.facebook.com/MeuConselheiroDeLuz
    Desde já agradeço a sua atenção e tenha um ótimo dia!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Oi. Grato pela visita. Sinta-se convidado a voltar sempre. Abraços.

Postagens mais visitadas deste blog

[Curiosidades] Xingamentos em um português culto

Se é pra xingar, vamos xingar com um português sofisticado. Aqui neste post você vai ler algumas palavras mais cultas e pouco usadas quando se quer proferir uma série de palavrões onde a criatura não entende patavina nenhuma. Antes, porém, de você aprender algumas palavrinhas, conheça esta historieta: Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em casa, ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal. Chegando lá, constatou haver um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos, disse-lhe:  - Oh, bucéfalo anácrono!Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o

Resistência do amor em tempos sombrios

Terceiro e último livro de uma trilogia que a escritora gaúcha iniciou com A casa das sete mulheres, o volume Travessia encerra a Trilogia Farroupilha com um personagem que, no dizer da autora, é comum a toda a história: Garibaldi, este carismático personagem que aparece no início do primeiro livro, quando principia um amor platônico com a meiga Manuela, a filha do Bento Gonçalves. Mas como já acompanhamos nos volumes anteriores, a família da moça não compactua com o romance, impedindo, pois, o contato de ambos. Se no primeiro livro a escritora se atém a contar a história da família concomitante à Revolução Farroupilha, tendo como cenário a Estância da Barra, a casa na qual ficaram 7 mulheres da família de Bento Gonçalves, no segundo volume já temos como plano histórico a Guerra do Paraguai, além de mudar a perspectiva para o romance de Giuseppe e Anita, a mulher atemporal que provoca uma paixão no general e guerreiro italiano. Ana Maria de Jesus Ribeiro, ou Anita, sempre dava um

De Clarice Lispector para Tania Kaufmann

Conforme eu tinha anunciado ha meses, o blog Papos Literários divulgará com frequência uma série de cartas famosas do mundo da literatura ou da música. Hoje trago na íntegra a carta de uma das escritoras mais queiridinhas dos brasileiros, além de ser famigerada nestes tempos de facebook ee twitter. Confira a f amosa carta de Clarice para a sua irmã Tania Kaufmann. Clarice em sua árdua tarefa de escrever _____________________________________________ A Tania Kaufmann Berna, 6 janeiro 1948 Minha florzinha, Recebi sua carta desse estranho Bucsky, datada de 30 de dezembro. Como fiquei contente, minha irmãzinha, com certas frases suas. Não diga porém: descobri que ainda há certas frases suas. Não diga porém: descobri que ainda há muita coisa viva em mim. Mas não, minha querida ! Você está toda viva! Somente você tem levado uma vida irracional, uma vida que não parece com você. Tania, não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar