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Literatura que faz barulho - Contos Da Era da Guitarra

A literatura e o rock andam de mãos dadas e fazendo barulho. Afirma e confirma o livro Rock Book - Contos da Era da Guitarra. (S.Paulo, Editora Prumo, 2011 ORGANIZADOR Ivan Hegen, 208 págs, R$ 39,90).

Como faixas reunidas em um disco, o livro começa com chave de ouro brindando o leitor com o conto “Hell’s Angel”, de Marcia Denser, a musa dark da literatura que teve seu conto  incluído por Ítalo Moricone nos "Cem melhores contos brasileiros do século".

Entretanto, isso não é o bastante. O livro reúne duas dezenas de contos de autores já conhecidos do público assíduo do rock e da literatura. Não, não é um exagero classificar a obra como obrigatória para os fãs daquele gênero musical, uma vez que o mesmo traduz a veloz vida moderna, a fúria da sociedade tecnológica e a nova visão de mundo sob a ótica influente das letras de rock.

O organizador da coletânea, Ivan Hegen, sabe e conhece bem a temática.  "Fiz questão de só convidar quem tivesse alguma ligação afetiva com o rock. Reuni autores de várias gerações e todos eles, como eu, cresceram ao som de guitarras elétricas. O segundo critério foi a qualidade literária. Para mim, o rock é arte. Por isso, não queria um livro fútil", explica o organizador.

Ele reuniu vinte autores nacionais de gerações distintas que estão nesta exata ordem: Márcia Denser, Alex Antunes, André Sant’Anna, Nelson de Oliveira, Luiz Roberto Guedes, Carol Zoccoli & Cláudio Bizzotto, Danislau, Ivan Hegen, Tony Monti, Glauco Mattoso, Andréa Catropa, Mário Bortolotto, Abílio Godoy, Carol Besimon, Cadão Volpato, Xico Sá, Antonio V.S.Pietroforte, Sérgio Fantini, Andréa Del Fuego e Fernando Bonassi.

Dentre esses 20, alguns construíram carreira também em bandas: Alex Antunes, por exemplo, compôs a Akira S & as Garotas que Erraram; Cadão Volpato fez parte da banda Fellini e Danislau da Porcas Borboletas.

André Sant'Anna colabora com "A história do Rock". E de maneira roteirística sem ser didática, o autor conta a história relacionando com a vida de George.

(...) o George nunca aprendeu inglês direito, o George inventava muitas letras de rock, em português, ouvindo Pink Floyd e esses caras todos, e a letra da música do "Dark Side of the Moon" dizia que uma hora você vai acordar num lugar, uma hora de repente e a vida toda aconteceu e você está ali, sem recompensa alguma, sentindo que a vida é só isso mesmo (...)[Pág. 43]

Há contos para menores de 18 anos, como "Lado A: O Striptease, Lado B: A Indecisa" do Alex Atunes que tem a relação sexual como um dos temas.

"Fenômeno Fenomenal", de Nelson de Oliveira também assume um lugar preciso no livro, pois trata-se de um conto que mais parece um álbum de fotos  com as capas de cds e suas legendas que contam a conquista do rock na cabeça e na mente das pessoas. De influencia Kafkaniana e do Pink Floyd sua narrativa contamina o leitor pela magia e sonho.
"Miss Tatoo", de Luiz Roberto Guedes é prosaico, criativo e engraçado contando a saga de um empreendedor no mundo do rock.
"Rock Suicídio", de dupla criação ( Carol Zoccoli & Cláudio Bizzotto) defende a tese de que todo roqueiro é suicida. A defesa baseia-se em uma fatídica pesquisa e de forma bem humorada deixa o leitor emocionado relembrando a morte de alguns ícones do rock and holl. Raul Seixas, John Lennon e Araquém Pega Ninguém são alguns exemplos citados pela dupla: "Raul Seixas era todo expressão. Poucos sabem, mas sua dieta era rica em paçoca e café de máquina". "Vamos para o Lennon. Magreza era um camarada de pulso. Descia do palco com o Paul para dar porrada nos engraçadinhos que os provocavam da pista..." (Pág. 72)

"O Silêncio", de Tony Monti é mais sutil, embora o plano de fundo seja o show num palco  e assume um papel no livro como uma pausa frente à euforia dos outros escritos, onde o artista tem uma crise antes do show pela necessidade do silêncio.
"Uma raridade discográfica", do escritor da velha guarda Glauco Mattoso, considerado por muitos escritor maldito desde os anos 70, narra de forma bem humorada as peripécias da família real de inclinação ao rock e usa do realismo mágico para fantasiar uma situação política de contexto ditatorial.

"A Good Woman Is Hard to Find", de Mário Bortolotto  traz, ou melhor, leva o leitor até o palco, onde o show verdadeiramente acontece.
"Lacunas", de Abilio Godoy é um conto mais doméstico, mais leve e ao mesmo tempo denso do ponto de vista psicológico por ter como personagens os insanos de um manicômio. É lírico, sem fazer barulho. 
Em "9 de abril de 94", Carol Bensimon transporta o leitor ao fatídico dia do anúncio da morte de Kurt Cobain e tudo não passa de emoção e memória.


Pink Floyd - Influência de muitos
 escritores da coletânea
"Macunaemo" é satírico e categórico. Xico Sá polemiza ao provar que o sólido rock não é isso que a mídia propaga. Ao unir as características dadas ao personagem Macunaíma, de Mário de Andrade com a expressão cansada do roqueiro adolescente dos dias atuais, Xico Sá define o brasileiro dos tempos modernos: "Metade preguiçoso qual a matriz de Macunaíma; metade chorão, cordial e sensível como um globalizado roqueiro emo". (Pág.173)
"One Time", de Antonio Vicente Seraphim Pietroforte trabalha a sensualidade nas entrelinhas e podemos imaginar a moça de belas formas e abstrata retratando a excitação do Homem ante à musa.

Há ainda o lírico e sintético "Nove Canções" de Fernando Bonassi, que lista algumas das melhores canções do rock. E é este o conto que encerra a obra que mais parece a minha play list do iTunes.

O tema é o bom e velho rock and holl, mas cabe lembrar e reforçar: trata-se de LITERATURA cujo tema principal é este gênero que arrebata fieis do mundo inteiro. Porém mais do que um guia, o rock book transmite aquela lúcida sensação arrepiante que só o bom  rock consegue fazer. A distância entre rock e literatura é ínfima e íntima, com perdão do trocadilho.

Parece paradoxal, mas o que permanece vivo na cabeça do leitor que lê toda a coletânea são as imagens transmitidas pelas histórias que, se lidas calmamente, causam uma sensação semelhante a de estar em um show de rock. E que show, ou melhor, que contos!


\o\

Dance. Pois hoje é dia de rock, bebê!

Fonte: Site da Editora Prumo / Folha de São Paulo

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