Quando
Michelle Perrot lançou o livro aqui ora comentado, muito demorou até que se
fosse feita a tradução para o português do Brasil. A escritora que tem artigos
dispersos por inúmeras revistas acadêmicas do mundo apresenta aqui em Os
excluídos da História a oportunidade de vermos como os operários,
mulheres e prisioneiros tem sido retratados na História.
São 11 artigos, divididos em três partes dedicadas a cada
coletividade que configura pessoas marcantes e ao mesmo tempo transgressores do
seu lugar de enunciado, uma vez que operários, mulheres e prisioneiros era
comumente vistos na história de um lugar e de uma posição passiva. É contra
esta postura que Perrot argumenta e propõe uma análise e reflexão sensível a
respeito de suas emancipações e problemas democráticos.
Não é um livro de romance, de crônicas,
poesia ou mesmo ficção. É um livro acadêmico, no qual os artigos aqui parecem
se propor a ser uma espécie de composição histórica de suas classes, desde os
tempos antigos.
A
primeira parte, “OS OPERÁRIOS”, por exemplo, vai desde a posição e o lugar do
operário nas máquinas francesas durante a primeira metade do século XX até o
que a escritora denomina de “nascimento de um rito operário”, o qual a
escritora conta a invenção do primeiro de maio (de 1980) e as reivindicações dos
trabalhadores a partir de então.
É
instigante saber como a pressão da comunidade desencadeou o processo de
reconstrução dos valores e dos direitos dos trabalhadores. No artigo “O
primeiro Primeiro de Maio na França de 1980” a acadêmica nos fala que “a
escolha do primeiro de maio é mais enigmática e desde então tem sido intrigante.
Essa data não corresponde inicialmente a nenhuma comemoração definida” (PERROT,
p. 139). Mas apesar da interrogação, a escritora investiga e nos conta como
surgiu este rito operário.
Na primeira parte, Perrot ainda se detém
a nos informar como era a vida do proletariado no início do século XIX, assim
como também a vida da mulheres no chão das fábricas e a consequente relação
existente entre operários e chefes, que, por sinal, nunca foi harmônica.
É na segunda parte, MULHERES, porém, que
a escritora indaga e mostra suas inquietações, enquanto mulher, da condição e
dos atávicos costumes culturais que circundam a figura da mulher não só no meio
familiar, mas sobretudo, no social. São artigos sempre atuais, que questionam e
propõem uma discussão sobre a mulher. Inicialmente ela propõe uma discussão sobre
a questão do poder, que se aproxima, nitidamente daquilo que Foucault propõe em
sua obra.
“No singular, “poder” tem uma conotação política e designa
basicamente a figura central, cardeal do Estado, que comumente se supõe
masculina. No plural, ele se estilhaça em fragmentos múltiplos, equivalente a “influências”
difusas e periféricas, em que as mulheres tem sua grande parcela. Se elas não
tem o poder, as mulheres tem, diz-se, poderes. “ (PERROT, p. 177)
Perrot, portanto, não desenvolve em seus artigos uma visão
somente das mulheres enquanto rainhas do lar, mas sim rainhas da noite, a
mulher popular, rebelde, um risco para a masculinidade. Perrot narra, no
capítulo 7, que a “exclusão feminina é ainda mais forte. Quantitativamente
escasso, o texto feminino é estritamente especificado: livros de cozinha,
manuais de pedagogia” são formas de controle e poder. É uma das partes mais
encantadoras do livro quando ela nos apresenta de forma tão clara e concisa
como a mulher transgrediu esses padrões até o momento impostos e passado a uma
posição mais emancipadora. São questões que vão desde “o dono de casa”, posição
masculina do espaço doméstico, até a questão administrativa do salário.
A terceira e última parte do livro é
apresentada reflexões acerca dos PRISIONEIROS e o sistema penitenciário, espaço
construído e reproduzido para somente punir os detentos e delinquentes. Porém,
ao tempo que Perrot expõe a situação dos prisioneiros no período do século XIX
e das Belle Époque, da França, as
coisas aparecem mais atuais do que nunca. Nada de muito novo há.
É um livro excelente não
só para os pesquisadores de História, mas também para os cientistas sociais ou
até mesmo graduandos de outras áreas que queiram ler mais a respeito da trajetória
dos operários, das mulheres e dos prisioneiros.
Felizmente a Editora Paz
e Terra reeditou a coletânea de artigos da obra que apresentou a acadêmica ao
Brasil. Com introdução de Maria Stella Martins Bresciani, o livro é uma rica
fonte de pesquisa neste tempo no qual a discussão sobre gênero, trabalhadores e
seus direitos (vide a discussão acerca da reforma da CLT no Brasil) e os
debates sobre o sistema carcerário nunca foram deixados de lado por serem tão
atuais. São de fato os excluídos da História que ocupam aqui o lugar preponderante de discussão teórica politizada.
Sobre a autora:
Michelle Perrot, nascida em França em 1928 é professora emérita de História Contemporânea na Universidade Paris-VII e, a mais ilustre historiadora da vida das mulheres, sendo co-autora de uma monumental História das Mulheres no Ocidente, de parceria com Georges Duby – obra em cinco volumes, já editada em diversas línguas, incluindo o português.
O percurso de Michelle Perrot na trilha da História das Mulheres, segundo depoimentos de suas alunas, hoje professoras e pesquisadoras,2 parece ter começado em 1973, quando, doutora em História, docente na Paris VII - Denis Diderot, ministrou um curso chamado "As mulheres têm uma História?", no qual apresentava temas possíveis de pesquisa para os trabalhos de conclusão de curso dos/as estudantes. Esse curso e os trabalhos dele resultantes proporcionaram material para a publicação da coletânea Une histoire de femmes, est-elle possible?, publicado, na França, em 1984, pela Rivages. Tal percurso de pesquisa levaria Michelle Perrot a tornar-se conhecida internacionalmente, não somente por seus trabalhos, mas, também, pelas/os estudantes que orientou em suas teses de doutorado. Muitos desses trabalhos orientados tornaram-se livros, os quais contam, muitas vezes, com prefácios e apresentações escritos por ela, fazendo periodicamente um balanço das pesquisas na área.
PERROT, Michelle. O excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Tradução de Denise Bottmann. 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007
FONTES:
Site da Editora Record / Skoob
Site da Editora Record / Skoob
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