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Proust em zoom e touch screen

2013 é um ano especial para a literatura universal, mais precisamente para a francesa. Pois há exatos 100 anos era lançado a primeira edição do primeiro volume de uma das sérias mais densas da História da Literatura. Foi em em novembro de 1903 que Marcel Proust lançou "No caminho de Swan", primeiro livro de "Em busca do tempo perdido", uma obra monumental. A obra foi, a princípio rejeitada pela Editora, coisa que até hoje lhe rende arrependimentos. Até o final de 2013 e início de 2014 o blog Papos Literários irá publicar textos e outros artigos especiais sobre este escritor francês tão adorado. Para começar a série de postagens, colocamos aqui alguns fatos de sua vida.



Nascido em Paris em 10 de julho de 1871, Marcel Proust vinha de uma família rica da burguesia parisiense. Assim como Flaubert, seu pai, Adrien Proust, era médico. Aos 35 anos casou-se com Jeanne Weil, uma moça de 21 anos, apaixonada por literatura e música e filha de um rico corretor de valores. Marcel era um menino frágil, asmático, com um sensibilidade quase doentia, como frisam muitos dos seus biógrafos, o contrário do seu irmão mais novo, Robert, nascido em 1873, que era robusto e forte. Apesar dessa diferença, os dois foram grandes companheiros alo longo da vida e sempre mantiveram uma relação harmônica. Na infância, brincavam no Champs-Elisés, onde encontravam outras crianças (a cena desses passeios surge na última parte de No caminho de Swan, quando o narrador se encontra com Gilberte, que seria sua primeira paixão).

Já as férias de verão eram passadas em Illiers, que no romance aparece como Combray, cidade natal de seu pai, quando o menino esperava todas as noites que sua mãe visse ao seu quarto para lhe dar boa noite. Não dormia sem o seu beijo. Toda essa passagem, a angústia no quarto enquanto esperava por esse momento, aparece fortemente na primeira parte de sua grande obra. É o ponto de partida, como uma incrível reflexão sobre o sono e sua relação, tecida no corpo, "guardão fiel de um passado", com o tempo. 

Entre 1882 e 1889, Marcel Proust estudou no Lycée Condorcet, onde entrou em contato com toda a literatura de sua época e participou da revista dos estudantes, a Revue Lilas (Revista Lilás). Em 1889, alistou-se no exército e foi enviado a Orléans. Durante essa temporada,de um ano, costumava voltar todo final de semana a Paris. Quando retornou definitivamente a vida civil, Marcel começou a assistir, na escola de Ciências Políticas, às aulas de Albert Sorel e Leroy-Beaulieu, e na Sobornne, às de Henri Bergson, famoso autor de Matéria e Memória, que o marcará profundamente. É por essa época que  o jovem Proust passa também a colaborar em diversas revistas, com ensaios e crônicas. Data desse mesmo período o início de sua vida mundana, frequentando os salões elegantes de Paris, como o de Madame Arman, onde conhecerá o escritor Antole France. Outro salão em que costumava ir era o de da Madame Straus, onde fará amizade com Charles Haas, que o inspirará na criação de Charles Swan.
Em 1895, Proust começou a escrever seu primeiro romance, Jean Santeuil, que ficaria inacabado e só seria publicado postumamente,em 1952. Em 1896, recolhendo seus artigos para revistas e escritos diversos (como contos e poemas), publica o volume Os prazeres e os dias, que teve prefácio de Antole France. Sem precisar trabalhar, já que sua família tinha bastante dinheiro, Proust também se dedicaria a traduções, como as obras do historiador John Ruskin, que tiveram grande influência em seu pensamento e em sua concepção do tempo.

O fato mais marcante desse período foi a morte de sua mãe, em 1905. Muito abalado, o autor passará 6 semanas internado numa clínica em Boulogne-sur-Seine.


Quanto retorna a Paris, começa a trabalhar naquela que seria sua única obra, o ciclo magistral EM busca do tempo perdido. Contam os biógrafos que seu escritor, sem abandonar totalmente suas relações pessoais, foi aos poucos se fechando em seu apartamento, a ponto de forrar de cortiça todas as paredes de seu quarto, para evitar qualquer ruído que viesse de fora do apartamento e interrompesse o fluxo de ideias e de sua memória borbulhante. Desse ponto em diante, vida e obra se confundem. Ou seja, Proust passa a viver em função da composição de sua obra-prima, escrevendo e revisando obsessivamente o que já tinha sido escrito e mesmo publicado.

Em 1913, véspera da Primeira Guerra Mundial, sai No caminho de Swan; em 1918, é a vez de À sombra das raparigas em flor, que recebe o prêmio Goncourt; entre 1920 e 1922, saem as duas partes que compõem No caminho de Guermantes e as duas partes de Sodoma e Gomorra. Em 18 de novembro de 1922, depois de uma crise de bronquite, Marcel Proust morre, mas sua obra continua sendo publicada até o último volume de Em busca do tempo perdido: em 1923, A Prisioneira; em 1925, A Fugitiva; em 1927, O tempo redescoberto.

Durante boa parte de sua vida Proust se debateu com sua vocação, tinha dúvida quanto à qualidade de sua literatura, mas a sua obra revelou a grande verdade: foi o maior escritor do século que apenas engatinhava.

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Fonte: Livro Em busca do Tempo Perdido - No Caminho de Swan, Editora Abril,  pág. 537-542. 
Fonte: Site Editora Abril Coleções / In Search of Lost Time

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