Spin
Off de A
Casa das Sete Mulheres, o segundo livro da trilogia na qual a autora se
propõe a contar a história dos pampas gaúchos desde a Revolução Farroupilha, Um farol no pampa (Bertrand Brasil, 2017, 459 páginas, R$52,90) é
uma revelação. Não porque amplie o universo de algumas personagens, mas também
porque possui um plano de fundo de um período histórico que muito nos interessa.
Com
a vitória do Império, terminada a Revolução Farroupilha em 1845, os revolucionários
farroupilhas, assim como os membros da família do general Bento Gonçalves,
retratada em livro anterior, retorna à estância da Barra, para seguir a vida
com as perdas e os ganhos. Neste novo livro, Bento vive adoentado e recolhido
na companhia de sua esposa, Caetana. O livro Um farol no pampa inicia, portanto, no ano de 1847, quando a paz
parecia algo definitivo após um longo período de batalhas.
Parecia,
mas a vida nada é como planejado. Logo, os homens se verão envolvidos em mais
um conflito envolvendo não mais só a região gaúcha, mas outro país.
O protagonista, dessa vez, é masculino e chama-se Matias, personagem que já nos foi apresentado em A casa das sete mulheres. Mas ainda há a predominância de personagens femininas na narrativa que fortemente relacionam o seu papel no desenvolvimento dos acontecimentos, afinal, as mulheres são personagens marcantes no desenrolar da trama e dos conflitos da narrativa.
Assim,
a narrativa intercala entre o romance de Matias e Inácia, a de Manuela e ainda
a de Maria Angélica, filha de Caetana e Antonio, que ao herdar a estância do
Brejo, para lá retorna a fim de conhecer o lugar que tanto marcou sua família.
Matias
Gutierrez, o protagonista, segue o exemplo de força, coragem e bravura de sua
avó, dona Antonia. Ele apaixona-se por Inácia, neta de Caetana, mas como ele
lutará na Guerra do Paraguai (que passa agora a ser o plano de fundo, assim
como a Revolução Farroupilha foi no primeiro volume da trilogia), o romance do
casal enfrentará alguns percalços e circunstâncias da vida em tempos de guerra,
pois assim como Matias, outros homens da família de Bento Gonçalves mais uma
vez partirão para as batalhas, deixando aflitas as mulheres, que dobrando os
joelhos no chão, interpelam orações e preces pela sobrevivência dos familiares.
Às vezes até há compaixão pelos inimigos de guerra, outras, são preces em prol
de um amor que viveu uma decepção.
Os
tempos de guerra duram 6 anos, pois a Guerra do Paraguai aconteceu no período
de 1864-1870, período no qual o Império era a forma de governo no Brasil. Se no
primeiro volume dessa saga, a Revolução Farroupilha era a protagonista, aqui
temos a Guerra do Paraguai protagonizando mortes e muito sofrimento. Nesse período
de violência e furor, vemos um destino já fragmentado e cheio de dificuldades
para o casal Inácia e Matias, pois ao mesmo tempo que sua história parece
particular, ganha ares de universalidade quando os acontecimentos da História
do Brasil mostram que foram muitas as famílias esfaceladas pela guerra. Como o
espaço predominante não é mais os pampas gaúchos, as terras paraguaias ganham o
enfoque na narrativa e apresentam, da mesma forma que no primeiro livro, como
as privações, mortes (que não são poucas), o sangue, as doenças e até mesmo a
defesa pela pátria ocasionam tragédias.
Leticia Wierzchowski usa aqui acolá um vocabulário próprio do início do
século XIX, quando ainda o português conservava o pronome de tratamento
Vosmecê, por exemplo, ou ainda quando D. Ana, da estância, vê a chegada dos paraguaios em terras do Rio Grande do Sul.
"Pena que não estarei viva para saber do causo....
Falava com um sorriso, como quem fazia uma última troça. Não tinha medo de morrer, temia mesmo era deixar a estância e a família. A morte era em verdade um descanso, um luxo que, àquela altura da vida - quantos anos teria então? quase oitenta - ela almejava sinceramente.
José sorriu-lhe com benevolência. Pegou a mão esquálida entre as suas.
- Deixe disso, madre. Vosmecê vai estar viva para ver o último destes paraguaios ser expulso do Rio Grande.
Mesmo quando a guerra é narrada, a autora usa de artifícios poéticos para contar como História também se ficcionaliza. E a morte parece até algo romantizado.
"Pena que não estarei viva para saber do causo....
Falava com um sorriso, como quem fazia uma última troça. Não tinha medo de morrer, temia mesmo era deixar a estância e a família. A morte era em verdade um descanso, um luxo que, àquela altura da vida - quantos anos teria então? quase oitenta - ela almejava sinceramente.
José sorriu-lhe com benevolência. Pegou a mão esquálida entre as suas.
- Deixe disso, madre. Vosmecê vai estar viva para ver o último destes paraguaios ser expulso do Rio Grande.
Mesmo quando a guerra é narrada, a autora usa de artifícios poéticos para contar como História também se ficcionaliza. E a morte parece até algo romantizado.

A pintura da capa do livro é da mesma autoria dos outros, que preserva o excelente design de capa, que junto à boa diagramação do livro faz com que desejemos ler cada vez mais sobre a história da família de Bento.
Letícia Wierzchowski parece querer contar uma história das terras gaúchas, assim como o fez Érico Veríssimo em sua monumental obra O tempo e o vento. Envolvendo história, romance e lutas, a escritora dá aos pampas gaúchos mais valor literário.
SOBRE A AUTORA:
Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre, RS, em1972, e estreou na literatura em 1998 com o romance O anjo e o resto de nós. A autora é considerada uma das maiores revelações da literatura nacional do início do século XXI. Uma das raras escritoras a perceber e a traduzir, em palavras, a personalidade, o sentido e o poder de ação de personagens e cenários brasileiros. Em 2003 o romance A casa das sete mulheres foi adaptado pela Rede Globo em uma série de 50 capítulos. Desde então, a produção televisiva já foi veiculada em quase 30 países, e a obra de Leticia ganhou caminhos internacionais. Ela tem livros editados na Espanha, Portugal, Grécia, Itália e Sérvia-Montenegro.
FONTES:
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