Umberto Eco poderia em bem menos página
contar a história de como três personagens resolvem por em prática um plano,
mas aí o leitor perderia um leque de informações úteis para compreender melhor na
história e nela adentrá-la.
Umberto Eco foi ficcionista e um grande
intelectual preocupado com a função artística, bem como o "fazer
literário". Dessa forma, muito daquilo teorizado por ele em obras como
"Interpretação e Superinterpretação", "Obra aberta" ou
ainda "Lector in fábula", ele aplica em O Pêndulo de Foucault (Il Pendolo di Foucault, Trad. Ivo Barroso, 672 páginas, R$ 58,00) as suas
teorias.
O livro aqui analisado foi lançado em
1988, sendo quase imediatamente traduzido para várias línguas e alcançando um
enorme sucesso e influenciando uma geração de outros escritores, uma vez que o
livro enveredou por uma linha de romances denominada policial
místico-religioso, na qual também foi cultivada por Conan Doyle, Agatha Christie, Raymond Chandler e, mais
recentemente, o tão polêmico Dan Brown.
Segundo Fernanda Massi
(2015, p.117),
o romance policial místico-religiosa funda-se na ocultação/ vs./ revelação/ que se manifesta no nível fundamental do percurso gerativo do sentido. Essas duas categorias, / ocultação/ e/ revelação/, se relacionam tanto a um segredo místico-religioso protegido por uma sociedade fechada - geralmente uma instituição religiosa - quanto ao segredo sobre a identidade do criminoso.
o romance policial místico-religiosa funda-se na ocultação/ vs./ revelação/ que se manifesta no nível fundamental do percurso gerativo do sentido. Essas duas categorias, / ocultação/ e/ revelação/, se relacionam tanto a um segredo místico-religioso protegido por uma sociedade fechada - geralmente uma instituição religiosa - quanto ao segredo sobre a identidade do criminoso.
É justamente fundamentado nesse pórtico
literário que Eco vai desenvolver uma história que perpassa quase 700 páginas e
inebria o leitor em aventura e muito, muito, mas muito mistério em torno de
misticismo.
A começar pela estrutura do romance,
o qual possui referência à Cabala por estar divido nas 10 sephiroth dela.
E é nesta divisão das sephirots que iremos discorrer esta resenha.
Ao final teceremos alguns comentários
sobre a edição, tradução e aspectos gerais.
1. KETER
É a primeira sephirot da árvore da vida
e representa a manifestação do divino, o início, origem, algo como o Big Bang.
No início do livro temos o personagem
Casaubon tenso e misterioso a observar os antiquários no Conservatoire de
Paris. Aqui acompanhamos as reflexões do personagem sobre a imobilidade
do pêndulo de Foucault, construção onde o personagem está inserido e esperando
algo aparecer, mas que ainda não sabemos.
Seguindo as pistas do seu amigo Jacopo
Belbo, ficamos sabendo que os amigos encontram-se em apuros. A partir daqui
temos os flash backs que vão nos contar como tudo foi parar ali, no Museu de
Arts de Paris.
2. HOKMAH
A segunda sephirot, cujo significado
remete à sapiência, sabedoria e
inicia com os flash backs. Da
década de 80 voltamos para maio de 1968, quando Casaubon, ainda um acadêmico,
frequentava o famoso bar Pilade, onde jovens universitários e intelectuais de
esquerda costumavam se divertir. Ali, Casaubon, que tinha o intuito de escrever
sua tese acerca dos Templários, conhece Jacopo Belbo, do qual fica amigo e logo
vira companheiro.
O personagem Jacopo Belbo desempenha um
papel muito importante na narrativa, uma vez que é por meio de seus filename
(nome que ele dá aos arquivos deixados em seu computador pessoal, chamado
carinhosamente de Ambulafia) que conhecemos histórias e outros dados
importantes para compreendermos a narrativa.
Belbo faz parte da equipe de redatores
da Editora Garamond. Ele é o intermédio para que Casaubon entre para a equipe
composta ainda pelo personagem secundário (e diga-se de passagem, dispensável)
Diotallevi. Os três iniciam uma pesquisa cheia de hipóteses que irá desaguar na
criação de um plano. É aqui que começa o emaranhado de informações, histórias e
mistérios que colocam o leitor num verdadeiro quebra-cabeças.
3. BINAH
A sephirot do entendimento. Nela dá-se
de forma gradual o acesso de Casaubon ao ambulafia de Belbo.
Belbo é ao mesmo tempo um personagem
engraçado e melancólico, mas muito sábio. Ele faz muitas referências e junto
com a equipe da editora, ele aprimora as obras que chegam até eles. Nesta parte
do romance ficamos sabendo da longa história dos templários e do graal, fontes
de mistério que alimentam os personagens.
4. HESED
A quarta parte do romance, simbolizada pela sephirot Hesed significa a
misericórdia, que emana amor.
Quando os redatores e o dono da Editora
acolhem Ardenti, que deseja publicar textos sobre os Templários, Casaubon vê a
oportunidade de comungar seus objetivos. Ardenti então expõe ideias excêntricas
que, inicialmente, não convence o trio, mas logo depois eles se rendem. E
justamente quando os três começam a acreditar que o misterioso Ardenti
desaparece. Com isso, eles intentam investigar e para tanto, criam “O Plano”,
fio condutor do restante da história.
Mas fugindo dos equívocos da Europa, Casaubon viaja para o Brasil por amor a
Amparo, sua namorada e em terras brasileiras ele passa 10 anos. Fica na Europa
o mistério do desaparecimento Ardenti. Em meio a rituais de umbanda, axés,
agôgôs, xamanismo, pomba-gira, possessão e outros elementos da cultura
afro-brasileira, Casaubn vê-se numa atmosfera surreal, numa mistura de cultura
que o fazem ora imaginar um sonho, ora uma realidade.
Por meio de amigos de Amparo, Casaubon conhece Aglié, outro senhorzinho um
tanto misterioso, pois segundo ele, seria a própria reencarnação de Cagliostro.
Depois de uma série de acontecimentos, de modo frustrante, Casaubon deixa
Amparo e retorna para a Europa, onde havia deixado os mistérios.
5. GEBURAH
A Sephiroth do julgamento.
Ao retornar para Milão, Casaubon inicia com seus amigos mais uma série de
investigações cada vez mais exímias. Depois de 10 anos, ele percebe como as
convicções políticas, a cultura e os frequentadores do Pilades mudaram.
Curiosamente, enquanto os personagens intentam desenvolver o seu plano, por meio
de pesquisas que sirvam para a publicação de um livro que contará a história
dos metais, são feitas curiosas revelações por meio do editor da Garamond e do
selo editorial Manuzio, de como são extorquidos os recursos de autores
iniciantes. Para ele, o nome Autores à Própria Custa – APC são boas fontes de
lucro para a editora. Aqui ficamos sabendo velhos poderes do mercado editorial.
O plano criado pelos redatores e o editor, logo, seria publicado na coleção
“Isis Revelada”, parte do objetivo da Manuzio de publicar livros com temas
exotéricos e misteriosos, uma vez que são temas de grande vendagem.
A companheira de Belbo, Lorenza Pellegrini desperta grande atenção por sua
beleza, sedução e poder de convencimento. Casaubon, inclusive, quase deixa-se
seduzir por esta musa. Mas logo envolve-se em relacionamento com Lia, o oposto
de Lorenza. Lia é racional e não se envolve no plano do marido e seus amigos.
6. TIFERET
Nesta parte representada pela sexta sephiroth que simboliza beleza,
acompanhamos o desenrolar do Plano e as pesquisas infinitas dos redatores, bem
como as inúmeras criações mirabolantes que surgem de suas cabeças a fim de
comprovar suas ideias. São anagramas, gráficos, manuscritos originais e outros
elementos que fazem parte disso.
Aqui Eco aproveita para aprofundar a história dos templários pela velha Europa.
Temas como maçonaria, jesuítas, bruxaria, Baphomet, Cabala, Rosa-Cruzes e
outras ciências ocultas são comuns, assim como também os assassinos de
personagens históricos. Os redatores conseguem, inclusive (pasmem) fazer
alusões dessas seitas com o Holocausto promovido por Hitler. Com isso, os
redatores querem mostrar como essas sociedades secretas dominaram o mundo por
muito tempo.
7.
NIZAH
Nesta
sephiroth que simboliza vitória acompanhamos as reflexões de Belbo deixadas em
seus filenames. Acompanhamos também o desenrolar da trama criada pelos
redatores que despertou raiva da Sociedade Secreta chamada TRES, que receando
que o suposto segredo descoberto pelos redatores fossem revelados, tratam de se
buscar esconder o mais breve possível.

Neste
momento da narrativa, com ajuda de Lia, a companheira de Casaubon, ele da-se
conta que os autores do Plano estão sendo perseguidos e que a criação do plano
e suas histórias pode ter sido um grande embuste.
Seguindo
as pistas de Belbo, Casaubon vai até Paris. No Conservatoire ele fica à espera
dos membros de uma sociedade secreta e, enquanto isso, observa e reflete acerca
dos objetos e peças antigas do Museu.
8.
HOD
A
sephiroth do esplendor traz o ápice da narrativa. Belbo e sua querida Lorenza são
forçados a participar de um ritual de sacrifício. Os antigos amigos, inclusive
os desaparecidos há muito, aparecem na cerimonia como pertencentes à sociedade
secreta que almeja eliminar os sábios que supostamente haviam revelado o
segredo.
Depois
de assistir tudo escondido, Casaubon consegue fugir pelos esgotos de Paris.
Porém, uma série de alucinações começam a lhe perseguir. Ele fica paranoico.
9.
JESOD
Na
sephiroth do fundamento, Casaubon percebe que foi um grande equivoco criar um
Plano com base em ideias, hipóteses mirabolantes e interpretações surreais de
textos antigos. Fugindo da sociedade TRES, Casaubon refugia-se nos montes, na
casa de Belbo e além de ler os outros filenames de Belbo, começa a escrever
tudo a fim de que tudo fique registrado caso ele seja o próximo a ser capturado
pela sociedade.
10.
MALKUT
A
última sephiroth da arvore da vida simboliza o reino. E aqui o reino de
Casaubon é a solidão e o exílio. Com um final poético e incrível Eco dá a
entender que a imaginação pode tornar-se realidade. É triste acompanhar o fim
de cada um, mas é o desenrolar de seus destinos que dá um caráter coerente à
narrativa criada genialmente por Umberto Eco.

Eco soube dosar muito bem Historia e
ficção, tratando muito bem de referenciar os fatos. Prova disso são as inúmeras
epigrafes que ilustram os capítulos.
Foi
difícil passar quase 2 meses lendo um livro e se apegar a personagens que
cativam de tão reais. Um livro indicado para todos os fãs de Dan Brown e afins.
Para estudantes de letras este livro é um gozo literário. Não a toa, o livro é
considerado o “código da Vinci” dos intelectuais. Com uma ferrenha polêmica que
envolve Dan Brow, Eco afirmou que o inventou.
Eco
brinca com o leitor, usa símbolos e nos presenteia com criações incríveis. Não
é a toa que a sua influencia recorre a literatura até hoje. Foi-se os
personagens e foi-se embora mais recentemente o seu criador. Ficou para nós uma
obra magistralmente escrita, fonte de conhecimento e diversão por um bom tempo.
Com uma nova capa de encher os olhos e mais coerente com a narrativa, a Editora Record ainda brinda o leitor brasileiro com essa edição de capa soft touch. A única ressalva que faço é a ausência de um prefácio ou posfácio para esse clássico do Eco que por muito tempo ainda ecoa em nossa mente.
Fontes:
Editora Record: http://www.record.com.br/livro_sinopse.asp?id_livro=24093
Editora Record: http://www.record.com.br/livro_sinopse.asp?id_livro=24093
Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/resenhas/2423/edicao:3198
Aum
Magic: http://aumagic.blogspot.com.br/2014/03/cabala-mistica-arvore-da-vidasephirot.html
Referências:
Eco, Umberto. O pêndulo de
Foucault. Tradução de Ivo Barroso. 16 ed. Rio de Janeiro:
Record, 2016
MASSI, Fernanda. O romance
policial místico-religioso. 1 ed. São Paulo: Ed. Unesp Digital, 2015,
Acessado em 28 de julho de 2016, Disponível
em file:///C:/Users/asuspc/Downloads/Romance%20policial%20m%C3%ADstico-religioso,%20O.pdf
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