Pular para o conteúdo principal

Crônicas como uma proposta para entender os Homens

Como bom cronista mineiro, Ivan Angelo revela com humor as peculiaridades de uma mente masculina
_____________________

Incluído na lista dos 60 finalistas do Prêmio Portugal Telecom, o livro Certos Homens (Arquipélago Editorial, Coleção Arte da Crônica, 208 páginas, R$ 35,00) traz textos que beiram ao lirismo em prosa e, como é peculiar da crônica, o humor em muitas delas sob um olhar perspicaz de um típico mineiro que é Ivan Angelo.
Meu primeiro contato com a obra do escritor foi numa palestra que tive com o Professor e Escritor Cinéas Santos. Fiquei Deslumbrado com a subjetividade de sua obra. Na Universidade fiz uma análise crítica de 5 laudas do conto "Menina", o que me deixou mais apaixonado pela obra do mineiro vivíssimo aos 75 anos, no momento em que escrevo esta resenha. Ivan Angelo, mineiro, sagrou-se jornalista e em seguida como ficcionista ainda na década de 60 com os livros “Homem sofrendo no quarto”, de 1959, e “Duas faces”, de 1961, de contos. Seus romances mais conhecido são "A festa", de 1975 e "A casa de vidro", de 1979. Ganhador do prêmio Jabuti por mais de uma vez, o escritor foi consagrado pelo Ministério da Cultura entre os autores das 125 obras mais importantes das letras brasileiras. 

Mas enfim, vamos à obra!
O livro possui 50 crônicas, todas compiladas pelo escritor e publicadas em jornais ou revistas durante a última década. São textos que liberam lirismo e principalmente humor, como lhe é característico. Ivan Angelo capta as minúcias de um cotidiano que, muitas vezes, nem notamos.
É assim com "O lixo é nosso", onde o escrito destrincha uma série de críticas à sociedade consumista do nosso tempo e que o motorista do carro do lixo está apenas executando o seu dever, mas somos nós é que sujamos as ruas.
Como não rir da "Conversinha sobre monstros" ou "Conversinha sobre o pum" que o avô mantém com o curioso neto? Explicação complexa de assuntos simples (conveniência social) para um ser tão pueril como uma criança.
Ou ainda como não assegurar o bom humor em "Recados da China", onde a empregada atrapalhada só dá avisos errados aos patrões. Assim, um recado dado ao telefone "Ligar para o Eugênio do Santander" vira "Ligar para o gênio do André".

Às vezes Ivan Angelo trata de assuntos tão pertinentes do nosso dia a dia que nos leva à interrogação: "Como não pensamos nisso antes?" É dessa forma com "A fila que não anda", fato que todo mundo odeia esperar em filas de Banco.
Além de descrever os tipos humanos, como ele faz em "Pernas de Homem", "Dia dos Desnamorados", "Amantes", "Virei metrossexual", ele também descreve cenas cotidianas, tais como a mudança de endereço na crônica "Novo Endereço". E que a verdade seja dita, mudança é complicado e é um saco!
São casos bem-humorados, assim como a crônica "Até você, leitor" onde o cronista observa a existência de datas esdrúxulas em nosso calendário.
Muitas dessas crônicas possui um lirismo contido, mas um olhar sentimental sobre o comportamento humanos. É assim com "Amores distantes". Quem não manteve um relacionamento à distância? Ivan Angelo faz referência ao amor de Tomás Antônio Gonzaga e Marília, um amor tão propício aos nossos dias que, vistos pela ótica do escritor, nos incita à reflexão. Coisas agradáveis e desagradáveis permeiam as crônicas, afinal estamos também sujeitos às circunstâncias de um mundo moderno. "Asmáticos se entendem" trata de assaltos, assunto corrente dos noticiários. "De quantos celulares você precisa?" é um insulto para repensarmos nossas maneiras de consumo. E por aí vai outros temas semelhantes.

A coletânea de crônicas foi organizada de tal forma que mais parece uma conversa interativa do escritor com o leitor. Percebemos que um texto leva a outro. "Gosto de bolsos", por exemplo, puxa o seguinte "Perna de Homem" e é assim com os demais. A própria literatura vira tema metalinguístico em "Já ouvi isso antes", onde o autor desenrola pensamentos à respeito da originalidade de escritos. Mesmo quando o autor resolve escrever sobre temas simples, como é o caso de "Gosto de bolsos", onde ele discute a não existência de bolsos em roupas femininas, ele mantém o humor e o jeito peculiar de escrever uma boa crônica, gênero tão nosso que chega a ser brasileiro.

Visto que a crônica tem uma certa instantaneidade, em uma entrevista ao Suplemento Pernambucano, comentando sobre o gênero, argumentou: "O segredo da crônica é que ela é uma relação pessoal, íntima, entre o narrador e o leitor. O cronista se dirige a uma pessoa que ele acredita ter a mesma sensibilidade que ele." E de fato, os textos são na verdade quase uns hipertextos, assuntos que nos conectam e nos impele a pensarmos e interrogarmos mais.

O livro cumpre o que a orelha do livro anuncia: “Quase tudo o que cabe numa crônica está nesse livro”. Cumpre o papel de nos impressionar pelo saudosismo do cronista e de compor com respeito o mundo concreto que vivemos. Amor, família, duelo de gerações, empregos e excêntricos comportamentos são somente alguns dos muitos temas tratados tão bem em 208 páginas. 

_________________________

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

[Curiosidades] Xingamentos em um português culto

Se é pra xingar, vamos xingar com um português sofisticado. Aqui neste post você vai ler algumas palavras mais cultas e pouco usadas quando se quer proferir uma série de palavrões onde a criatura não entende patavina nenhuma. Antes, porém, de você aprender algumas palavrinhas, conheça esta historieta: Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em casa, ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal. Chegando lá, constatou haver um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos, disse-lhe:  - Oh, bucéfalo anácrono!Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o

Resistência do amor em tempos sombrios

Terceiro e último livro de uma trilogia que a escritora gaúcha iniciou com A casa das sete mulheres, o volume Travessia encerra a Trilogia Farroupilha com um personagem que, no dizer da autora, é comum a toda a história: Garibaldi, este carismático personagem que aparece no início do primeiro livro, quando principia um amor platônico com a meiga Manuela, a filha do Bento Gonçalves. Mas como já acompanhamos nos volumes anteriores, a família da moça não compactua com o romance, impedindo, pois, o contato de ambos. Se no primeiro livro a escritora se atém a contar a história da família concomitante à Revolução Farroupilha, tendo como cenário a Estância da Barra, a casa na qual ficaram 7 mulheres da família de Bento Gonçalves, no segundo volume já temos como plano histórico a Guerra do Paraguai, além de mudar a perspectiva para o romance de Giuseppe e Anita, a mulher atemporal que provoca uma paixão no general e guerreiro italiano. Ana Maria de Jesus Ribeiro, ou Anita, sempre dava um

[Resenha] Páginas do Futuro - Org. Braulio Tavares

Título: Páginas do Futuro Organizador: Braulio Tavares Ilustrador: Romero Cavalcanti Editora: Casa da Palavra Ano de Lançamento: 2011 Número de Páginas:  156 ISBN: 9788577342037 ONDE ENCONTRAR: Editora Casa da Palavra / Submarino / Livraria Cultura /  Quando uma editora , ou melhor, um autor resolve selecionar ou listar algo, seja lá o que for, corre-se o sério risco de excluir algum escritor renomado ou incluir um sem prestígio. No entanto, não é o que acontece com a seleção de contos feita por Bráulio Tavares para o livro “ Páginas do Futuro ”, lançado recentemente  pela Editora Casa da Palavra . Primeiramente é importante saber que o organizador, Bráulio Tavares, é uma autoridade no assunto quando se fala em Ficção Científica (FC). O mesmo já ganhou o famoso premio “Caminho da Ficção Científica” pelo livro “A espinha dorsal da memória”, de 1989.       Há no livro  12 contos de autores brasileiros. E aqui vale destacar em letras garrafais: OS CONTOS FAZEM