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Sobre a tênue linha entre a animalidade e o Humano



 Compilação de artigos de um dos maiores filósofos da contemporaneidade, o livro O Aberto: O Homem e o Animal, (Civilização Brasileira, 2017, 160 páginas, Giorgio Agamben*), esclarece e propõe práticas reflexiva8s sobre o limítrofe entre ser humano e ser animal. Não tão somente isso, mas sobretudo sobre o conceito de vida, questionando a sua produção, origem e destino. Para isso, Agamben parte de textos canônicos, como escritos teorizados por Benjamin, Heidegger e Bataille, por exemplo. Agamben vai além ao também tocar em pontos que envolvam outras áreas do conhecimento senão à filosofia, como direito, medicina, política e antropologia.
Neste livro, Agamben incita-nos a repensar as relações que temos com nós mesmos, bem como a animalidade que habita o corpo humano, uma vez que o filósofo defenda a dualidade e propõe a reflexão que nós, seres humanos, somos diferentes dos animais por não sermos fechados e/ou aprisionados ao meio, mas sim abertos. Daí o título que o livro carrega: somos seres apinhados sobre outros, abertos, somos o Dasein**, teorizado por Heidegger.
            Agamben trata do aberto, enquanto faculdade humana, ou seja, como a abertura que conduz o ser ao mundo. Agamben didaticamente esclarece isso no capítulo 13, ao fundamentar com o pensamento heideggeriano: "o aberto de que trata Rilke não é o aberto no sentido de desvelamento. Rilke não sabe nem intui nada sobre a aletheia; não sabe e não intui nada assim como Nietzche". Assim, podemos entender que o homem é um ser eminentemente aberto, propenso a decisões políticas, portanto.
            Esclarecido isso, vamos resumir superficialmente alguns capítulos importantes desse livro. São 20 ensaios que giram em torno do mesmo eixo temático, basicamente os seguintes: a gênese da vida humana e animal, o humano e suas formas (teremorfo) e a maquinização antropológica do ser humano.

                 As reflexões iniciais de Agamben parte do seguinte quadro:

Bíblia Hebraica do século XIII: a visão de Ezequiel, os três animais da origem, o banquete messiânico dos justos [Milão, Biblioteca Ambrosiana]. In: Agamben, G. O Aberto: O Homem e o Animal. p. 2


A partir de então o filósofo analisa, interroga, questiona e responde algumas retóricas sobre a existência e condição humana. Ao observar a alegoria, Agamben questiona: “Por que os representantes de toda a humanidade são representados com caras de animais?”
Sem resposta concreta, o filósofo interpreta da seguinte forma: “cada um dos arcanos corresponde a uma das divisões do reino animal [bípedes, quadrúpedes, aves, peixes e répteis], e todos, as ‘cinco naturezas’ do corpo humano [ossos, nervos, veia, carne e pele], de modo que a representação teromórfica*** dos arcanos remete diretamente ao tenebroso parentesco entre macrocosmo animal e microcosmo humano”[p.12].
Em suma, podemos dizer que para ele, o aberto não pode ser identificado como um sujeito apenas enquanto ser existencial, mas sim também na esfera orgânica. O aberto é, sobretudo, uma característica de politização. Mas que fique claro, o filósofo não quer tão somente fundar essa peculiaridade política ao ente, mas colocá-lo ainda como um ser que mobiliza, manipula e controle outrem e a si.
No decorrer do livro somos incitados a refletir sobre biofilosofia. Para isso o filósofo se atém a ideias de biopoder, teorizada por Foucault.
O livro é uma reedição da Editora Civilização Brasileira, que nos proporciona maior contato com as reflexões teóricas e filosóficas de Agamben, afinal, trata-se de um livro acadêmico adotado em diversas seleções de mestrado e doutorado. Diante disso, sugiro que o livro aos professores universitários e acadêmicos em geral. Ainda que o livro trava muitas informações acerca da mitologia, filosofia, ciência e história, é possível que um leitor principiante encontre prazer neste que é, sem dúvida, um melhores livros já escrito sobre o limite do homem e o animal.

NOTAS:

*Giorgio Agamben é um dos mais respeitados filósofos da atualidade. Seus textos têm sido estudados nas universidades brasileiras nas áreas das humanidades e se tornado referência para a criação artística. Respeitado pela crítica, costuma se posicionar publicamente a respeito de questões contemporâneas, como na renúncia do Papa Bento XVI. É publicado por diversas editoras no Brasil. Giorgio Agamben nasceu em Roma, em 1942. É professor da Facolta di Design e arti della IUAV (Veneza), onde ensina Estética, e do College International de Philosophie de Paris. Formado em Direito, foi professor da Universitá di Macerata, Universitá di Verona e da New York University, cargo ao qual renunicou em protesto à política do governo norte-americano. Sua produção centra-se nas relações entre filosofia, literatura, poesia e fundamentalmente, política. Entre suas principais obras estão Il linguaggio e la morte (Einaudi, 1982), la formula della creazione (Quodlibet, 1993), escrito com Giles Deleuze, Homo Sacer (Einaudi, 1993/ Homo sacer- O poder sobernao e a vida nua -UFMG), Que lê resta di Auschwitz, (Bollati Boringhieri, 1998) e Stato di Eccezione (Bollati Boringhieri, 2003).  Sua obra, influenciada por Michel Foucault e Hannah Arendt, centra-se nas relações entre filosofia, literatura, poesia e, fundamentalmente, política.

**Dasein: “Da-”, significando “aí”, e “sein”, significando “ser.

*** Adj. Que faz menção ou se refere a heteromorfia (tudo aquilo que apresenta diferentes formas, mesmo sendo da mesma espécie).


Fontes:  
Skoob: https://www.skoob.com.br/o-aberto-218236ed676964.html
Editora Record: http://www.record.com.br/autor_sobre.asp?id_autor=6808
Dicionário Informal: http://www.dicionarioinformal.com.br/heterom%C3%B3rfica/



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