Dia 26 de julho é o dia dos avós.
O dia 26 de julho foi escolhido pelo papa Paulo VI, no século XX, para homenagear os pais de Maria, mãe de Jesus, chamados Ana e Joaquim. Esses dois personagens históricos e bíblicos foram canonizados no século XVI pelo papa Gregório VIII por serem pais da mãe de Cristo e por terem-na concebido, segundo a tradição cristã, mediante ação milagrosa, já que o casal, à época, era considerado estéril. Santa Ana e São Joaquim, os avós de Jesus, ao longo dos séculos, receberam comemorações festivas em diversas datas diferentes, mas Paulo VI houve por bem determinar o dia 26 como a data definitiva.
No ano de 1968, José Saramago publicou no jornal A Capital, de Lisboa, a crónica Carta a Josefa, minha avó. Anos mais tarde, ela seria publicada no livro Deste Mundo e do Outro. Abaixo segue a reprodução da página do jornal A Capital em que foi originalmente publicado o texto.
O dia 26 de julho foi escolhido pelo papa Paulo VI, no século XX, para homenagear os pais de Maria, mãe de Jesus, chamados Ana e Joaquim. Esses dois personagens históricos e bíblicos foram canonizados no século XVI pelo papa Gregório VIII por serem pais da mãe de Cristo e por terem-na concebido, segundo a tradição cristã, mediante ação milagrosa, já que o casal, à época, era considerado estéril. Santa Ana e São Joaquim, os avós de Jesus, ao longo dos séculos, receberam comemorações festivas em diversas datas diferentes, mas Paulo VI houve por bem determinar o dia 26 como a data definitiva.
No ano de 1968, José Saramago publicou no jornal A Capital, de Lisboa, a crónica Carta a Josefa, minha avó. Anos mais tarde, ela seria publicada no livro Deste Mundo e do Outro. Abaixo segue a reprodução da página do jornal A Capital em que foi originalmente publicado o texto.
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Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela
rapariga do teu tempo — e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos
grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas
de restolho e lenha, albufeiras de água.
Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se
faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros
na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me
histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um
crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira — sete vezes
engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia,
nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas
centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto
viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de
rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha.
Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes
dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra
Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de
légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira
negra içada na torre da igreja.(Contaste-mo tu, ou terei sonhado que o
contavas?)
Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no
entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete
de cores. Como tu, não vi rir ninguém. Estou diante de ti, e não
entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a
este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da
vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma
interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da
tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se
dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão
calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos
brancos, partidos pelo peso dos carregos — e continuo a não entender.
Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que
te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto talvez entenda eu, e
dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas
inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena.
O mundo continuará sem ti — e sem mim. Não teremos dito um ao outro o
que mais importava. Não teremos, realmente? Eu não te terei dado, porque
as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com
esta culpa de que me não acusas — e isso ainda é pior. Mas porquê, avó,
por que te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite
estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca
viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes,
com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua
adolescência nunca perdida: «O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena
de morrer!»
É isto que eu não entendo — mas a culpa não é tua.
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Saramago nasceu em 1922, de uma família de camponeses da província do Ribatejo, em Portugal. Devido a dificuldades econômicas foi obrigado a interromper os estudos secundários, tendo a partir de então exercido diversas atividades profissionais: serralheiro mecânico, desenhista, funcionário público, editor, jornalista, entre outras. Seu primeiro livro foi publicado em 1947. A partir de 1976 passou a viver exclusivamente da literatura, primeiro como tradutor, depois como autor. Romancista, teatrólogo e poeta, em 1998 tornou-se o primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura. Saramago faleceu em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, em 2010. A Fundação José Saramago mantém um site sobre o autor www.josesaramago.org
Fonte:
Fundação José Saramago
Companhia das Letras
Skoob
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Saramago nasceu em 1922, de uma família de camponeses da província do Ribatejo, em Portugal. Devido a dificuldades econômicas foi obrigado a interromper os estudos secundários, tendo a partir de então exercido diversas atividades profissionais: serralheiro mecânico, desenhista, funcionário público, editor, jornalista, entre outras. Seu primeiro livro foi publicado em 1947. A partir de 1976 passou a viver exclusivamente da literatura, primeiro como tradutor, depois como autor. Romancista, teatrólogo e poeta, em 1998 tornou-se o primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura. Saramago faleceu em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, em 2010. A Fundação José Saramago mantém um site sobre o autor www.josesaramago.org
Fonte:
Fundação José Saramago
Companhia das Letras
Skoob
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